“Pílula da inteligência" ou "droga dos concurseiros”, certamente você já ouviu falar do Metilfenidato. Vendida no Brasil com os nomes comerciais de Ritalina, Ritalina LA e Concerta, é uma droga frequentemente utilizada por estudantes, que recorrem à substância com a expectativa de melhorar o desempenho acadêmico por meio da redução da fadiga e melhora das funções cognitivas: atenção, concentração e memória (1).
Esta medicação, de fato, melhora a cognição?
Inicialmente, é importante entender que o metilfenidato é um agente estimulante do sistema nervoso central cuja prescrição está indicada, principalmente, para o tratamento do Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) e da Narcolepsia. Quando utilizado com tais indicações, o medicamento potencializa a concentração, diminui a perda de foco, melhora o desempenho e reduz a impulsividade (2). Porém, em indivíduos sem TDAH, estudos demonstram que não ocorre a melhora desejada nas funções cognitivas – podendo ocorrer, no entanto, um relato subjetivo de bem estar, decorrente do efeito placebo ou dos efeitos no sistema cerebral de recompensa (3). Desse modo, sua prescrição nesse contexto é motivo de controvérsia entre especialistas da área (4).
Há riscos envolvidos na sua utilização para estudar?
Especificamente, nesse cenário, não há uma conclusão estabelecida. Porém, mesmo a utilização terapêutica está sujeita a eventos adversos; e, por isso, exige avaliação clínica de segurança em cada caso e monitoramento dos efeitos colaterais (5). Em pacientes com algumas condições - como glaucoma, hipertensão, tiques motores, síndrome de Tourette, uso de inibidores da monoamina oxidase, entre outras – o uso é delicado e, por vezes, contraindicado. Também a coexistência de sintomas de depressão, ansiedade, agitação, agressividade, psicose ou mania recém-iniciadas e ideação suicida prévia podem gerar efeitos colaterais mais acentuados ou aumentar sintomas preexistentes. Além disso, o uso concomitante com outras drogas — como o álcool por exemplo — pode levar a quadros clínicos adversos, como a depressão respiratória grave (6). De forma resumida, os possíveis efeitos adversos do Metilfenidato são: redução no apetite, confusão mental, nervosismo, agitação, ansiedade, insônia, paranoia, fadiga, dor no peito, taquicardia, alterações na pressão sanguínea, náusea e vômito, alucinações, convulsões, dor de cabeça, overdose, depressão respiratória, hipersensibilidade e ataques de pânico. Naturalmente, a ocorrência tem frequência variável e também pode estar relacionada à dose e sofrer influência da interação com outros medicamentos de uso diário. Assim, sua utilização segura precisa ser avaliada e prescrita por seu médico de família ou psiquiatra.
Usar Ritalina vicia?
Apesar do mecanismo exato de ação do metilfenidato ser diferente do das anfetaminas e da cocaína, o efeito final é similar: o aumento da dopamina em algumas regiões do cérebro. Isso explica o risco de abuso desta medicação e ressalta a necessidade de cautela na utilização (7). O uso indiscriminado pode levar ao desenvolvimento de sintomas como tolerância, abstinência, uso compulsivo, depressão e ansiedade - condições semelhantes as evidenciadas em usuários de cocaína e crack. Além disso, é comum que pessoas que desenvolvem a dependência também recorram a outras substâncias para minimizar os efeitos (maconha, álcool e benzodiazepínicos, por exemplo).
Apesar de se tratar de uma substância controlada e com utilização restrita, houve um aumento de 775% no consumo de metilfenidato no Brasil entre 2004 e 2014 (8), e estima-se que uma grande parcela dos usuários não apresente indicação terapêutica (9). Um grande estudo realizado na Europa, demonstrou que o uso do Metilfenidato em adultos cresceu em uma proporção maior do que a evidenciada em crianças, porém, o TDAH inicia tipicamente na infância. Assim, apesar da possibilidade de diagnóstico tardio, estima-se que o uso entre adultos possa ser motivado por outras causas: sintomas de outras comorbidades psiquiátricas, doping cognitivo ou uso recreativo frequentemente associado a outras drogas (10).
Em resumo: é importante que o uso de Metilfenidato seja parcimonioso, avaliado por um psiquiatra ou médico de família com experiência em saúde mental, que poderão avaliar o diagnóstico corretamente e assim ponderar a real necessidade de prescrição. Afinal, há outras causas possíveis de dificuldade para estudar - por exemplo, a ansiedade de desempenho, depressão, ansiedade, estresse ou o burnout — que podem ser a verdadeira causa do tratamento. Assim, pessoas sem o diagnóstico de TDAH que utilizam metilfenidato sem prescrição poderiam, buscando a ajuda adequada, se beneficiar de outras estratégias farmacológicas e psicoterapêuticas efetivas e seguras para alcançar seu objetivo.
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Por: Felipe Ornell – Psicólogo
Tamires Bastos – Psiquiatra
Referências
1. Freese L, Signor L, Machado C, Ferigolo M, Barros HM. Non-medical use of methylphenidate: a review. Trends in psychiatry and psychotherapy. 2012;34(2).
2. Verghese C, Abdijadid S. Methylphenidate. StatPearls Publishing; 2020.
3. Batistela S, Bueno OFA, Vaz LJ, Galduróz JCF. Methylphenidate as a cognitive enhancer in healthy young people. Dement Neuropsychol. 2016;10(2):134-42.
4. Agay N, Yechiam E, Carmel Z, Levkovitz Y. Methylphenidate enhances cognitive performance in adults with poor baseline capacities regardless of attention-deficit/hyperactivity disorder diagnosis. Journal of clinical psychopharmacology. 2014;34(2).
5. Storebø OJ, Pedersen N, Ramstad E, Kielsholm ML, Nielsen SS, Krogh HB, et al. Methylphenidate for attention deficit hyperactivity disorder (ADHD) in children and adolescents – assessment of adverse events in non‐randomised studies. Cochrane Database Syst Rev. 2018;2018(5).
6. @AddictionCentr. Ritalin Addiction, Abuse and Treatment - Find Treatment - Addiction Center. 2020.
7. Morton WA, Stockton GG. Methylphenidate Abuse and Psychiatric Side Effects. Prim Care Companion J Clin Psychiatry. 2000;2(5):159-64.
8. Domitrovic N, Caliman LV. As controvérsias sócio-históricas das práticas farmacológicas com o metilfenidato. Psicologia & Sociedade. 2017;29.
9. ARRUDA, M. A. TDAH no Brasil, o que a Folha de SP não mostrou. Instituto Glia, 2011. Disponível em: < http://www.aprendercrianca.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=291:tdah-no-brasil-o-que-a-folha-de-sp-nao-mostrou&catid=1:timas&Itemid=147>. Acesso em: 27 de julho de 2020 [
10. Pauly V, Frauger E, Lepelley M, Mallaret M, Boucherie Q, Micallef J. Patterns and profiles of methylphenidate use both in children and adults. Br J Clin Pharmacol. 2018;84(6):1215-27.
Psicólogo clínico, possui Residência em Saúde Mental (ESPRS) e especialização em Dependência Química; Mestre e Doutorando em Psiquiatria e Ciências do Comportamento (UFRGS). Pesquisador no Centro de Pesquisa em Álcool e Drogas - Hospital de Clínicas de Porto Alegre / Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Editor da Revista Brasileira de Psicoterapia. Professor titular do curso de Psicologia da Faculdade IBGEN, Grupo Uniftec e responsável técnico pelo Previne Saúde Mental.
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