As festas de fim de ano têm um significado simbólico importante, e é quase impossível ficar imune a algum grau de mobilização afetiva. Neste período, é comum que se realize uma avaliação sobre o ciclo que encerra e as emoções que esta retrospectiva podem despertar são mistas. Diante disso, não é raro que as pessoas relatem sentimentos de culpa, medo e frustração, que surgem perante a constatação de que muitos objetivos, planos, desejos e sonhos não foram colocados em prática. Logo, a expectativa de que o ano novo traria uma vida nova pode não ter se concretizado. Neste ano, em especial, isso ainda pode ter sido potencializado pela Covid-19 e seus reflexos em diversas esferas. Viagens foram canceladas, planos frustrados, metas postergadas e encontros impedidos, tornando o sofrimento quase inevitável e fazendo da resiliência a nossa melhor amiga.
Metas de final de ano: fábricas de frustrações
Obviamente o estabelecimento de metas é fundamental para direcionar esforços. No entanto, muitas pessoas fazem este planejamento no piloto automático, sem considerar a exequibilidade e as etapas intrínsecas à concretização dos objetivos. É comum que os objetivos não sejam realistas e desconsiderem a existência de recursos suficientes (suporte material, social e emocional) para a concretização. Além disso, mesmo metas realistas podem ser frustradas pela ausência do planejamento operacional. Por fim, as motivações por trás da intenção ao traçar tais objetivos podem ser negligenciadas, o que gera um problema adicional. Nestes casos, o estabelecimento de metas de ano novo pode se tornar uma fábrica de frustrações, afetando o senso de auto eficácia e a autoestima.
Qual a solução?
Inicialmente, é importante que as metas estabelecidas sejam factíveis, ou pelo menos precisa haver uma distinção entre os objetivos possíveis e os que ainda não estão no campo das possibilidades. Depois disso, é necessário considerar a existência dos recursos necessários para a sua efetivação. Além disso, é fundamental estipular prazos (metas de curto, médio e longo prazo) e etapas necessárias para a execução e revisar isso durante o ano, e não apenas ao final. Por fim, as motivações por trás destas metas precisam ser exploradas: por que você quer isso? Qual a importância disso na concretização dos seus ideais (profissionais, éticos, morais...)?
Ninguém chega a lugares diferentes percorrendo os mesmos caminhos, então também é importante ponderar a motivação das metas anteriores. O contratempo foi na operacionalização? Eram infactíveis? Ou estavam descoladas dos seus ideais pessoais?
Os desafios de 2020 na Advocacia
É de conhecimento de todos que entre dezembro e março, a tramitação dos processos é impactada pelos recessos do Natal, do Carnaval e pela redução do efetivo no período de férias. Também se sabe que os escritórios de Advocacia costumam apresentar uma redução na receita durante o período de férias. Em 2020, este cenário foi agravado pela greve do Judiciário que havia ocorrido em 2019, acarretando atraso na tramitação dos processos e consequentemente do recebimento dos proventos. Quando as atividades começaram a retomar o ritmo normal, os advogados foram surpreendidos pelas medidas de isolamento e distanciamento social, que começaram a ser implementadas justamente em março.
É fato que o último ano trouxe uma série de desafios para os (as) advogados (as) e profissionais da área Jurídica. Diante da pandemia, os processos de trabalho sofreram transformações profundas, exigindo a integração imediata das tecnologias nas rotinas de escritórios e tribunais, o que implicou em um período de adaptação, ocasionando em maior ou menor grau algum nível de estresse.
Pegue leve com você mesmo
Diante de todas as transformações e adaptações que ocorreram em 2020 é natural que algumas metas tenham sido secundarizadas, e está tudo bem. Talvez uma boa meta para 2021 seja “pegar leve”, reconhecendo momento a momento nossas necessidades, nossos valores, expectativas, e reconhecendo tanto o planejamento quanto as falhas como partes naturais do processo.
Psicólogo clínico, possui Residência em Saúde Mental (ESPRS) e especialização em Dependência Química; Mestre e Doutorando em Psiquiatria e Ciências do Comportamento (UFRGS). Pesquisador no Centro de Pesquisa em Álcool e Drogas - Hospital de Clínicas de Porto Alegre / Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Editor da Revista Brasileira de Psicoterapia. Professor titular do curso de Psicologia da Faculdade IBGEN, Grupo Uniftec e responsável técnico pelo Previne Saúde Mental.
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